Ontem tive um encontro inusitado: tomei uma cerveja, literalmente uma, num boteco no centro de Salvador. O meu quase companheiro de copo, digo quase porque não tive condições de acompanhá-lo devidamente, era eu mesmo, dez anos mais novo. Sim, marquei um encontro com meu eu, aquele que vive entre 1997 e 98. Uma espécie de acerto de contas.
- E aí, vai na breja? Perguntou o garoto de 16 anos.
- É, uma só.
- Você tem um isqueiro aí?
- Não. Há anos que não toco num cigarro.
- Heheh, um dia eu chego lá.
- Mais cedo do que você imagina.
Ele serviu a cerveja e conseguiu um fósforo com o dono do bar. Soprou a fumaça e me olhou com um leve sorriso. Perguntei como ele ia na escola.
- Haha, já num sabe...
- Bom, escola é aquilo mesmo. Ela é um sistema hermético, que apresenta um discurso linear. Então, se algumas pessoas, como você, não se adaptam ao esquema “decore ou perca”, a escola não vai admitir que pode haver falhas nos programas... No ensino. É mais fácil jogar a bomba no seu colo e dizer que você é o garoto-problema.
- Não entendi.
- E nem vai entender. Tudo a seu tempo, meu caro.
Nesse ínterim, neguei o terceiro copo, sendo alvo de risos do meu amigo, que pediu outra ao garçom e continuou bebendo sozinho. Acendeu o segundo cigarro.
“Eu soube que você tem uma banda”, falei.
- Pois é. Mas saí. Tiro nota baixa, queimo filme em alta, hehe, se eu ainda arrumar uma banda....
- Seu pai tem um treco.
- Hahah, isso aí.
Emendei:
- Fazer rock, em Salvador, em 1998, é antes de mais nada uma atitude política. A indústria do turismo e do entretenimento ganha com o monopólio do axé. Essa baianidade suada, do negão subindo a ladeira, é metade real e metade inventada. Fazer rock no momento que você vive é remar contra a maré. O problema não é o axé ou o pagode em si. O problema é a monocultura. A Bahia é muito mais do que isso.
“Rapaz”, disse o garoto, você fala bonito, hein?
- Hehe, você também, quando quer. Eu soube até que tu escreve umas coisinhas.
- Ah, nada de mais.
- Bom, acho que você deve continuar a escrever. Mas, nada de falar difícil. Escreva pra ser entendido. Pra ser lido por muito mais que meia dúzia de intelectuais goguentos.
- Hehe, deu a idéia!
- Pois é. Agora tenho que ir. Vou dar uma estudada ainda hoje.
- Falou, Joe! Vou nessa também.
Paguei a conta. Despedimo- nos com um abraço fraterno e a certeza de que haveria um segundo encontro.
segunda-feira, 8 de setembro de 2008
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